Carta a Juliana Marins Afinal, quem poderá dizer, ao final, que morreu vivendo
Carta a Juliana Marins Afinal, quem poderá dizer, ao final, que morreu vivendo

Carta a Juliana Marins

Juliana,
Fiquei pensando em você, sentada aqui no chão frio de mais uma estação de trem.

Pés descalços, mochila, caos. 

Lembrei de quando eu estive à beira de um vulcão. 
Pensei em todas nós que já fomos até o fim do mundo tentando escapar de alguma coisa. 
Encontrar alguma coisa. 

Lembrei do quanto custa sair pelo mundo com as próprias pernas:
do frio, do cansaço, do senso de controle se perdendo por entre os dedos.

Deslizando.

Como você foi parar aí?
Que vida te levou a subir ao topo do vulcão?
Por que tão longe, tão alto, tão extremo?

Não te pergunto com julgamento –
pergunto com curiosidade.

É uma tragédia saber que jamais conheceremos o teu lado da história, nas tuas palavras. 
Nos teus motivos, nos teus termos, nos teus erros, acertos, confusões e sabedorias. 

É uma tragédia que mulheres precisem justificar seus passos, suas quedas. 
Que nossas escolhas e nossos infortúnios sejam dissecados como inferiores até o fim.

Em 2016, Juliana, peguei duas mochilas –
as mesmas que carrego até hoje comigo pelo mundo.
Fui pra Ilha de Páscoa, o lugar mais remoto onde consegui chegar. 

Dizia que precisava colocar o mundo no mudo. 
Subi a cratera de um vulcão, vi o sol se pôr. 

Foi assustador.
Foi mágico. 

Só quem viaja – e quem viaja de verdade, colocando os pés no chão e vivendo cada lugar e cada esquina com o coração –  sabe dos becos escuros que atravessa, dos precipícios que escapa, das feridas que carrega e dos fantasmas que quer expulsar do corpo e deixar pelo caminho. 

Num mundo em que a gente é criada pra não imaginar vida além da porta de casa, colocar os pés no mundo é uma revolução.

Quantos riscos você correu saindo pelo mundo?
Quantos riscos mais você correria tendo ficado no mesmo lugar? 

Quantas vezes você sentiu o medo quase tomar conta da sua coragem?
Quantas vezes você quis dar meia volta, mas já era tarde?
Quantas vezes você agradeceu por não ter desistido?

É possível que a sua última vista tenha sido de deslumbre e agonia.
Arrependimento, pânico, e absoluto encantamento.
Espera – a última palavra que você leu, ou tentou ler. 

Como uma música que termina no auge, deixa um acorde sem conclusão e nos coloca em suspenso.

Te escrevo pra te honrar, pra te documentar.
Pra pensar e sentir uma história que vá além da tragédia, dos descasos, das injustiças.
Porque a tua história é tão mais do que isso.

Que a tua história nos sirva como um lembrete pra ter cautela no caminho, mas jamais para deixar de trilhá-lo.

Que nos provoque: e se você fosse homem?
E se fosse em outro país?
E se você  deslizasse da vida dentro de um escritório, e não em um vulcão?

É triste que tua vida tenha sido tão breve.
Mais triste ainda seria se o mundo esquecesse o que veio antes do teu último passo.

A tua história não começou no vulcão, mas muito antes, em cada escolha que você fez.
Em cada mochila que você arrumou, em cada vez que te pediram pra ficar, e você seguiu o impulso de partir.

O teu acorde final não foi silêncio: foi grito.
Um grito ecoado pelo planeta e além.
Sentido nas veias de quem tem o coração inquieto como o teu e que te promete: a viagem não termina.

Afinal, quem poderá dizer,
ao final, que morreu vivendo?

Com amor,

Foto de Carol Milters
Carol Milters

Escritora, facilitadora, divergente.
Saúde Mental no Trabalho, Síndrome de Burnout, Workaholismo & Escrita Reflexiva


Autora dos livros, "Minhas Páginas Matinais: Crônicas da Síndrome de Burnout" e Um Passo Por Dia: Meditações para (re)começar, sempre que preciso ,conselheira do Instituto Bem do Estar, idealizadora do grupo de acolhimento Burnoutados Anônimos e do Ecossistema Recomeçar.

Com amor,

Foto de Carol Milters
Carol Milters

Escritora, Investigadora & Facilitadora
Saúde Mental no Trabalho, Síndrome de Burnout, Workaholismo & Escrita Reflexiva


Autora dos livros, "Minhas Páginas Matinais: Crônicas da Síndrome de Burnout" e Um Passo Por Dia: Meditações para (re)começar, sempre que preciso idealizadora do grupo de acolhimento Burnoutados Anônimos e conselheira do Instituto Bem do Estar.

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6 Comments

  • Luciana
    Posted 26 de junho de 2025 at 16:24

    Maravilhosa homenagem e reflexão! Obrigada por tanto! Parabéns!
    Luz e paz para Juliana!
    Tudo de bom pra vc!

  • Rita de Cássia insaurriaga
    Posted 26 de junho de 2025 at 15:29

    Perfeito! Todos os dias de nossa existência ganhamos de presente! Uma folha em branco e então começamos a preencher com nossas escolhas ! Vamos em busca do desconhecido em busca do nosso Eu ! Nos deparamos com imensuráveis situações más dentro de nós tem algo que Grita vai lá deixa tua marca deixa teu legado deixa tua história. Somos composto pela Filosofia da Vida ! Só não tem história pra deixar ! Quem só vive e não existe! Viver é contar os dias EXISTIR é muito mais que isso é Sonhar é Buscar . Gratidão 🙏🏻 @carol

  • Patrícia Feitosa
    Posted 26 de junho de 2025 at 00:26

    Oi, Carol!
    Achei linda e fiel a sua carta à Juliana!
    Emocionante…

  • Gilmar Taborda
    Posted 25 de junho de 2025 at 23:56

    Que maravilhoso seu texto é para reflexão. Sábias palavras. Admiro seu trabalho Carol. Parabéns!!!

  • Edna Maria Jacobus
    Posted 25 de junho de 2025 at 21:24

    Carol querida, ruas palavras ressoam por meu ser, trazem mais inquietações, mais clareza, mais humanidade e sonoridade. Tão necessário essa reflexão, mas mais necessário ainda nossas ações. Gratidão por tuas palavras e chacoalhos.

  • Ronilde
    Posted 25 de junho de 2025 at 21:22

    💛

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