(Ensaio co-escrito entre Carol Milters e ChatGPT, após Walter Benjamin e Byung-Chul Han, com os olhos bem abertos para o agora)
Quando a aura se dilui em pixels
Vivemos tempos em que a arte, o trabalho e o sagrado se confundem com o código.
A cada dia, milhões de imagens são geradas por máquinas: belas, impactantes, instantâneas. Algumas emocionam. Outras viralizam. Poucas sobrevivem mais que algumas horas. Todas, no entanto, parecem nascer já sem passado. Sem suor. Sem vestígio de mão humana.
Diante disso, é inevitável retornar a Walter Benjamin — que, em 1936, já observava que algo profundo se perdia quando a arte passava a ser reproduzida tecnicamente. Para ele, a obra original — o quadro, a escultura, o objeto carregado de história — perdia sua aura ao se tornar replicável. E junto com a aura, perdíamos também o vínculo com o tempo, o espaço e o ritual que a arte carregava.
Décadas depois, Byung-Chul Han nos oferece um diagnóstico complementar. Para ele, vivemos a era da desaparição dos rituais — em que tudo é performance, aceleração e positividade compulsória. O tempo simbólico foi sequestrado por timelines. A repetição foi convertida em produtividade. E o cotidiano perdeu seu brilho cerimonial.
Neste ensaio, proponho entrelaçar esses dois pensadores para entender o que acontece com a arte, com o humano e com o sentido na era da inteligência artificial. E, mais do que isso, me pergunto:
é possível reencontrar a aura e o ritual em meio aos algoritmos?
O que é a aura, e por que ela nos falta?
Walter Benjamin define a aura como a unicidade da obra de arte em seu aqui e agora.
A aura é a presença irrepetível de algo que carrega história, materialidade, contexto e, principalmente, uma relação com o sagrado — não no sentido religioso estrito, mas no sentido simbólico: aquilo que não pode ser totalmente explicado, apenas experienciado.
Ao ser reproduzida tecnicamente — por fotografia, cinema, impressão — a obra perde esse vínculo com o tempo e o espaço originais. Ela se torna múltipla, portátil, desencantada. A arte deixa de ser ritual e passa a ser exposição.
Benjamin não era nostálgico: ele via também potências nisso. Mas reconhecia o custo simbólico.
Corta para 2025: imagens são criadas em segundos por modelos de linguagem. Nem cópia, nem reprodução — mas sim geração autônoma. Uma arte sem autor. Sem processo. Sem bastidores.
O que significa aura quando não houve mãos? Quando não houve intenção humana, hesitação, erro, corpo?
A inteligência artificial intensifica a crise da aura:
ela não apenas nos distancia da obra, mas do próprio gesto de criar.
Quando o ritual desaparece, o burnout emerge
É aqui que Byung-Chul Han entra como segunda lente do nosso olhar.
Em A Desaparição dos Rituais, ele argumenta que os rituais são formas de “habitar o mundo simbolicamente”. Eles criam tempo. Criam espaço. Criam pertencimento.
Mas, segundo ele, o mundo neoliberal e performático destrói esses rituais. Tudo vira tarefa. Tudo é mensurado. Tudo é sujeito a um “prazo”.
Não há mais tempo circular — só linearidade produtiva.
Não há mais cerimônia — só stories.
Não há mais repetição significativa — só feed infinito.
Na ausência de ritual, nos perdemos de nós mesmos.
A alma cansa. O corpo colapsa. A mente dispersa.
E quando isso acontece em paralelo à criação de imagens, palavras e sons por máquinas, o esvaziamento é duplo:
• A arte perde sua aura
• A vida perde seu ritual
E o que sobra é ruído.
A IA como fim ou reinvenção do ritual?
Mas e se…
E se a inteligência artificial não for apenas a destruição do ritual, mas também uma chance de reinvenção?
E se o prompt — aquela pequena oração que dizemos à máquina — puder ser o início de um novo tipo de ritual?
E se a intenção que colocamos na colaboração com a IA for o que determina se o gesto será vazio ou significativo?
A IA, como qualquer tecnologia, não é neutra, mas tampouco é destino.
É espelho e é possibilidade.
Se escrevemos com ela em transe, ansiosos por resultado, com pressa de viralizar — a aura se dissolve.
Mas se criamos com ela em estado de atenção, pausa e presença — talvez surja um novo tipo de aura.
Uma aura relacional, nascida da tensão entre humano e máquina.
Um ritual digital, que não nega a tecnologia, mas a habita com consciência.
E o burnout? E o tempo? E o corpo?
A crise da aura e do ritual não é apenas estética — é existencial.
Quando perdemos o ritmo, perdemos o corpo.
Quando perdemos a pausa, perdemos a escuta.
Quando tudo é tarefa, até a arte nos adoece.
O burnout, nesse contexto, é o sintoma de um mundo sem tempo simbólico.
Por isso, a busca por novas formas de habitar o tempo — mesmo entre algoritmos — não é luxo poético. É urgência vital.
A tecnologia vai seguir avançando. Mas somos nós que escolhemos como nos relacionamos com ela.
Podemos continuar produzindo sem pausa — ou podemos inventar novas formas de presença.
Podemos criar para o feed — ou podemos criar para sentido.
Podemos apenas repetir — ou podemos ritualizar o gesto de criar, mesmo com a IA.
Conclusão: o reencantamento começa no gesto
Benjamin nos ensinou que a aura se perde com a reprodução.
Han nos alertou que o ritual morre no ritmo da performance.
Mas talvez — só talvez — o que se perde, possa ser reimaginado.
O encantamento do presente está no gesto que recusa a pressa.
Está no tempo estendido.
No corpo escutado.
Na intenção clara.
E, sim, também pode estar no prompt — se ele vier da alma.
Criar com IA não precisa ser abdicar do humano.
Pode ser uma aliança poética, uma trégua tecnológica, um ritual reencantado.
Porque no fundo, a pergunta não é o que a máquina pode fazer.
A pergunta é:
o que você deseja colocar no mundo — e como quer ser transformada por esse gesto?





