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Como não ser atropelado em um mundo que parece andar cada vez mais rápido

Entenda por que é tão difícil lidar com a cultura da correria, e como buscar uma relação mais saudável com o tempo.

Neste artigo

4 minutos de leitura

Artigo originalmente publicado como coluna no site Aparelho Elétrico, em fevereiro de 2020.

Você desbloqueia o seu telefone pra ver a previsão do tempo. Encontra uma notificação no Whatsapp. Responde uma mensagem. Abre Instagram, e-mail, Facebook. Bloqueia o telefone de novo. Olha a hora: se passaram vinte minutos. E o que você queria fazer mesmo?

Isso te parece familiar? Pois acabou de acontecer comigo.

Cada tempo tem o seu desafio. É bastante claro que um dos grandes desafios do nosso tempo é lidar com a aceleração constante provocada pelas tecnologias que emergem, todos os dias, nas nossas vidas.

O tempo no relógio segue o mesmo. Os dias continuam tendo o mesmo número de horas. As horas continuam tendo o mesmo número de minutos. Por que a nossa sensação é tão diferente? E como fazer com que o tempo pare de escorrer pelas nossas mãos?

De onde vem a aceleração?

A sensação de que o mundo está movendo cada vez mais rápido não é infundada. Por mais que boa parte da natureza permaneça no seu tempo, nós, humanos, estamos em aceleração exponencial. O nosso processo evolutivo vem contando com disrupções, descobertas e invenções que fazem com que executemos as coisas em cada vez menos tempo.

Em um ensaio de 2001, o futurista e co-fundador do MIT, Ray Kurzweil, previu o seguinte: “Nos não vivenciaremos 100 anos de progresso no século 21 – será algo mais próximo de 20 mil anos de progresso (se mantivermos a taxa atual)”. 

Pense bem nessa ideia: vinte mil anos de progresso em um século.

O problema disso tudo é que nós não temos capacidade cognitiva para absorver tamanha transformação. Apesar dos milênios de evolução e das mudanças drásticas que vivenciamos como espécie, o nosso equipamento mental, fisiologicamente falando, continua basicamente o mesmo dos tempos pré-históricos

Imagine que a nossa mente é um iPhone (primeiro modelo, lançado há menos de dez anos). Você tenta instalar e abrir a versão mais recente do Instagram, que trafega uma quantidade imensa de dados em fotos e vídeos, permite o uso de realidade aumentada, localização, e ainda faz transmissões ao vivo. Será que o dispositivo aguentaria? 

A mesma coisa acontece com a nossa capacidade de compreensão do mundo que nos cerca. É como instalar um software atualizado em um hardware obsoleto. Por outro lado, a nossa mente é tão fantástica que ela consegue dar conta de processar isso tudo (mas não sem efeito colaterais), enfrentando uma discrepância com a qual equipamento nenhum conseguiria lidar.

A gratificação instantânea é uma ilusão

As tecnologias instantanizaram as relações. Elas nos permitem falar com alguém do outro lado do mundo em um segundo. Você, aí no Brasil, está lendo algo que escrevi aqui na Holanda. O Henrique, fundador e editor do Aparelho Elétrico, tem acesso em tempo real ao Google Docs onde este artigo está sendo escrito.

Há algumas semanas, postei um texto no meu perfil do Instagram que gerou um alcance de mais de 60 mil pessoas em menos de três dias. Temos, na palma da mão, a opção de consumir conteúdo, trabalhar, pedir comida, transporte, e até paquerar (ainda se usa essa palavra?).

Isso nos proporciona uma percepção de que tudo pode acontecer rápido. De que, se você está começando um negócio, já deve ter seus primeiros clientes em questão de dias, ou semanas. De que se você não conseguir ser promovido em seis meses, não vale o esforço. De que você precisa conseguir entregar aquele projeto amanhã antes das oito da manhã.

A vida real, no entanto, se assemelha mais ao tempo da natureza do que ao dos aplicativos. 

Já ouviu aquela frase, “nove grávidas não fazem um bebê em um mês”? Um gerente de projetos com quem eu trabalhava usava com frequência. Essa é uma das melhores analogias que já encontrei sobre o tempo natural que as coisas levam, e do quão infrutífero é tentar acelerar alguns processos. 

Somos levados a crer que, se trabalharmos vinte horas hoje, conseguiremos chegar mais “lá” rápido. Nos vemos imersos numa cultura da correria, onde estar sempre ocupado é sinal de ser importante. 

No entanto, estar sempre correndo atrás da máquina não é sustentável. Não é natural. Nem inteligente é. Render-se à cultura da correria está nos adoecendo, está prejudicando a nossa produtividade e detonando o nosso bem-estar.

Não adianta correr. 

Talvez você já tenha se dado conta disso, mas não consiga colocar em prática na sua vida. Um dos motivos é que você precisa se aproximar de gente que te ajude a definir um ritmo mais saudável, mais do que de adeptos ao culto à correria.

Qual o seu pacemaker?

No atletismo, existem os “coelhos”, “pacemakers”, ou “puxadores de ritmo” (não confundir com intérprete de escola de samba). São atletas contratados pela organização de algumas maratonas para marcar o ritmo nos primeiros quilômetros. Eles são bastante utilizados quando se deseja quebrar algum recorde – ironicamente, eles forçam os corredores a irem mais devagar no começo, o que os permitirá chegar ao final da corrida em melhores condições, podendo dar aquele “tiro” nos últimos metros.

A palavra pacemaker, em inglês, também se refere ao marca-passo, um implante cardíaco cuja função é regular os batimentos.

É interessante observar o quanto somos influenciados pelo ritmo das pessoas à nossa volta. Se estamos rodeados por pessoas apressadas, fiéis ao culto da correria, tendemos a acelerar com elas. Por outro lado, quando nos encontramos com pessoas mais calmas, reflexivas, é só uma questão de tempo até que nos regulamos a elas. Na minha rede algumas pessoas me afetam como um energético, enquanto outras atuam como um chá de camomila.

Perceba quem está à sua volta. Perceba, também, a influência que você tem em acelerar ou tranquilizar as pessoas do seu convívio.

Eu já vivi a vida a 170 km/h. Pé fundo no acelerador, dando luz alta na estrada, sempre apressada, com o coração sempre na boca. O burnout me forçou a parar completamente. À medida que fui me recuperando, passei a aprender o valor de poder definir a minha própria velocidade. De ser ágil, sim, mas sem me afobar. De medir bem quando acelerar, quando frear, quando estacionar e descer do carro, e quando deixar as coisas seguirem seu curso pelo tempo necessário. 

Concluindo

Uma das coisas da aceleração é que ela só permite olhar pra frente. Ela não permite olhar para os lados. Para dentro. Para trás.

Quem vive em quinta marcha se priva de uma compreensão mais ampla do que está fazendo. Se priva de sequer curtir o que está fazendo.

Para não ser atropelado em um mundo que anda cada vez mais rápido, entenda, primeiro, que essa velocidade não e natural. Procure exemplos de quem não se deixa engolir pela correria e desempenha bem o seu papel. 

Pare. Pense. Sinta. Respire.

Coloque uma música com uma batida mais lenta. Muitos de nós conseguimos sincronizar a respiração e até os batimentos cardíacos com o ritmo da música. Enquanto pensava esse artigo, criei uma playlist chamada Calma, com músicas que tem uma batida mais devagar. Escuta a playlist e me diz como se sentiu.E lembre-se:“nove grávidas não fazem um bebê em um mês”.

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Carol Milters

Escritora, Investigadora & Facilitadora
Saúde Mental no Trabalho, Síndrome de Burnout, Workaholismo & Escrita Reflexiva


Autora dos livros, "Minhas Páginas Matinais: Crônicas da Síndrome de Burnout" e Um Passo Por Dia: Meditações para (re)começar, sempre que preciso idealizadora da Semana Mundial de Conscientização da Burnout e do grupo de apoio online Burnoutados Anônimos.

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Este post tem 2 comentários

  1. Georgia

    Carol querida, adorei sua escrita ! bjs

    1. Carol Milters

      Querida, que bom ver teu comentário aqui. Muito obrigada! Um beijo! 💛

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