São 22h13 e estou com o laptop no colo, escrevendo um artigo novo.
Eu não precisaria estar trabalhando a esta hora. Mas parece que existe uma força maior que toma conta quando eu começo a clicar aqui e ali, a ter mais e mais ideias de projetos e iniciativas, e quando o meu perfeccionismo me faz passar horas e horas debruçada sobre a mesma atividade.
Faz pouco mais de dois meses que eu descobri ainda apresentar um grau severo de workaholismo.
Estava de férias, acampando na Suíça, e comecei a ler o livro Chained to the Desk: A Guidebook for Workaholics, Their Partners and Children, and the Clinicians Who Treat Them (algo como Acorrentado na Mesa: um guia para workaholics, seus parceiros e filhos, e os profissionais de saúde que os tratam, ainda sem versão em português).
Nas primeiras páginas do livro, o psicólogo Bryan E. Robinson compartilha um questionário, cuja precisão já foi comprovada, que aponta qual o seu nível de vício no trabalho.
A minha pontuação foi altíssima.
Na mesma hora, eu fechei o livro e busquei outro título, de ficção ou poesia. Foi só naquele instante que eu me dei conta de que, em plenas férias, eu estava estudando algo relacionado ao meu trabalho.
O workaholismo é o problema mais bem-vestido do século XXI.
Bryan E. Robinson
O que é workaholismo?
Nas palavras do próprio Bryan, workaholismo é
um transtorno obsessivo-compulsivo que se manifesta por meio de demandas auto-impostas, uma incapacidade de regular hábitos de trabalho e uma excessiva indulgência no trabalho com exclusão da maioria das outras atividades da vida.
A compulsão por trabalho é uma forma de escapar de problemas emocionais não resolvidos e o alívio que proporciona tem uma qualidade viciante.
Bryan E. Robinson
Bryan inclusive chama o excesso de trabalho de “a cocaína deste século”.
O problema de nos tornarmos viciados em algo que não só é necessário para a vida em sociedade, mas também glorificado, é o tamanho da dificuldade imposta em curar essa compulsão.
A dependência química de um cigarro, do álcool ou de outras drogas é uma doença, e é altamente desafiador deixar esses vícios pra trás – por outro lado, neste caso, é possível viver sem a substância que causa a doença e alcançar a “sobriedade”.
Quando se trata de trabalho, no entanto, a coisa muda de figura.
Como abster-se do que paga as suas contas?
As consequências do workaholismo
A compulsão pelo trabalho interfere em muitas outras esferas e transborda em outros relacionamentos. Algumas consequências do workaholismo são:
- Eficácia reduzida no trabalho: trabalha-se sem ordem ou processos claros, com um alto nível de retrabalho, pois a compulsão faz com que geremos mais e mais demandas;
- Risco elevado de estresse crônico e seus efeitos, podendo chegar à síndrome de Burnout: o ritmo de trabalho auto-imposto (e reforçado externamente) gera um estresse contínuo que, se não regulado, pode te levar a um colapso mental e físico;
- Relações disfuncionais: muitos workaholics são filhos, irmãos, netos de workaholics e desenvolveram este comportamento observando como seus pais usavam o trabalho para desviar da intimidade e dos desafios das relações interpessoais. Sem se dar conta, esses filhos perpetuam, em suas respectivas famílias, a disfunção na qual cresceram. Maridos e esposas de workaholics podem desenvolver depressão e outros quadros por encontrarem-se em um estado de desolação porque seu parceiro nunca tem tempo pra eles;
- Problemas de saúde física, mental e emocional: obviamente, um workaholic vai colocar todas as outras dimensões da sua vida em segundo plano. O estresse elevado vai reduzir sua imunidade, a compulsão pelo trabalho e os relacionamentos disfuncionais advindos do vício vão abalar seu estado emocional. Além disso, problemas no trabalho podem gerar um impacto imenso na sua saúde.
Workaholic, eu?!
Digo por experiência própria: não é fácil perceber-se workaholic.
Durante boa parte dos últimos seis anos, eu estive em tratamento dos meus episódios com a síndrome de Burnout. Precisei puxar o freio de mão no trabalho e me afastar por mais de dois anos seguidos (somando todos os períodos).
Recomecei do zero: poucas horas em um dia, poucos dias na semana.
Além disso, mudei radicalmente a minha carreira: de uma consultora de estratégia de marketing technology, me tornei escritora e facilitadora.
A minha relação com o trabalho mudou: passei a perseguir o meu propósito, atuar dentro dos meus valores pessoais e a selecionar parceiros e colegas de forma muito mais meticulosa.
Com tudo isso, entrei em uma fase incrível da minha carreira: fazendo o que gosto, como gosto, quando gosto, com quem eu gosto, e de onde eu estiver no mundo.
No entanto, o workaholismo continuava ali… e como aceitar que, logo eu, que falo sobre o cultivo de uma relação saudável com o trabalho, ainda sou compulsiva?
Foi o questionário criado pelo psicólogo que me trouxe um senso de realidade. Mesmo após começar a ler o livro e a entender melhor meu próprio workaholismo, ainda me pego sem conseguir parar de trabalhar.
Teste: você é workaholic?
Pesquisadores noruegueses do Departamento de Ciências Psicológicas da Universidade de Bergen desenvolveram a Escala de Dependência de Trabalho de Bergen para ajudar a determinar se alguém é viciado em trabalho.
A Escala consiste em 7 frases declarativas com as quais você pode responder:
Nunca / Raramente / Às vezes / Muitas vezes / Sempre
A contagem final das respostas o ajudará a determinar se você é um workaholic. E aqui estão as declarações:
- Você pensa em como pode liberar mais tempo para trabalhar.
- Você gasta muito mais tempo trabalhando do que o planejado.
- Você usa o trabalho para reduzir sentimentos de culpa, ansiedade, desamparo e depressão.
- Você já foi aconselhado por outras pessoas a trabalhar menos, mas não as ouve.
- Você fica estressado se for impedido ou proibido de trabalhar.
- Você coloca o trabalho acima de hobbies, atividades de lazer e exercícios.
- Você trabalha tanto que isso já influenciou negativamente sua saúde.
Se você respondeu “frequentemente” ou “sempre” a pelo menos 4 dos 7 pontos listados, você tem um vício em trabalho.
Como prevenir ou tratar da compulsão pelo trabalho?
É muito difícil pensar em remissão total, ou em erradicar o workaholismo, considerando o mundo em que vivemos.
Glorificamos o excesso de trabalho (e eu inclusive falei sobre isso em um podcast do Aparelho Elétrico), fomos ensinados a ter vergonha da preguiça e que trabalhador bom é trabalhador que não bate ponto.
Dito isso, é preciso que nós, workaholics, entendamos o nosso papel em fazer diferente.
- Aceitar:
Este passo é o mais importante de todos – um que eu ainda acabo fugindo tantas vezes. Simplesmente parar de inventar desculpas, de dizer “eu nem trabalho tanto assim”, pro seu parceiro, e aceitar que você (e eu) precisamos de ajuda; - Tratar:
Dependendo do seu nível de dependência emocional do trabalho e química da adrenalina que apagar um incêndio te gera, você vai precisar contar com ajuda profissional: terapias, medicações (convencionais ou alternativas) e tratamentos que te apoiem tanto nos sintomas causados pelo excesso de trabalho como na causa. Busque investigar de onde vem a sua necessidade de constantemente se provar – quem era workaholic na sua volta? - (Re)Conectar:
Consigo mesmo, com sua família e amigos próximos, com o presente momento, e com as áreas da sua vida que não são trabalho. Avalie quanto tempo você passou jogando algo, brincando, ouvindo música, batendo papo com alguém sem falar de trabalho. Desenvolva as outras áreas da sua vida com a mesma dedicação que você vem dedicando à sua ocupação. - Parar:
Aprenda a impor limites a si mesmo. Aprenda a descansar e a encerrar o expediente – o que, em cenário de home office, parece praticamente impossível.
O Dr. Gabor Mate é um médico canadense especializado em dependência química, e ele se viu enfrentando um quadro severo de workaholismo. Em entrevista, ele declarou que a sua esposa cuida da sua agenda, e que ele não aceita nenhum convite ou compromisso sem a autorização dela – isso porque ela sabe quais os limites dele. - Celebrar:
Muito da nossa compulsão vem de uma sensação de que estamos sempre “correndo atrás da máquina”: como se nunca fizéssemos o suficiente.
Dedicar-se a celebrar cada conquista, grande ou pequena, nos lembra que estamos realizando o suficiente, por pouco que pareça, e isso começa a silenciar a voz na nossa cabeça que demanda que não paremos de produzir. - Persistir:
É dificílimo tratar-se do workaholismo – justamente porque a grande maioria de nós precisa trabalhar.
Com o tempo faremos progressos e teremos recaídas. Precisamos estar sempre atentos e atentas ao nosso eixo, à nossa essência e nosso centro. Precisamos lembrar que existem outras coisas na vida além do trabalho. E precisamos nos perdoar quando cedemos à compulsão.
Como diz a célebre frase dos Alcoólicos Anônimos, “um dia de cada vez”.
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Este post tem 2 comentários
Que artigo importante, quantas informações que poderão mudar histórias de vidas, levar a reflexões de uma jornada saudável do profissional como também da família.
Meu Deus, eu chegava a externalizar várias coisas que li aqui e sempre achei que era algo estranho, uma compulsão por trabalho, como pode??? Obrigada Carol, eu me identifiquei muito.