Não é sempre que eu lembro, mas também nunca esqueço: sabe o que aconteceu comigo depois de trabalhar até adoecer, dando quase 10 anos da minha vida, energia, inteligência e criatividade?
Eu fui saída na calada da noite, sem sequer saber dos meus direitos.
Quando fui atrás dos meus direitos, eu fui humilhada, sofri gaslighting.
Quando eu comecei escrever sobre a minha experiência, mesmo estando a milhares de km de distância, sofri represália.
Isso me nocauteou: foi a causa do meu 2º burnout e dos seus efeitos durarem anos.
Devastou minha autoestima profissional.
Quase me jogou na lona.
Mas eu sou teimosa.
E eu não ando só.
Me tornar quem eu sou hoje
e fazer o que eu faço tem um preço.
E eu sei esse preço de cor.
Ele me visita nos meus sonhos.
Ele me assombra quando a incerteza bate mais forte.
Mas eu sou uma sobrevivente.
Eu sobrevivi a uma relação de trabalho em que a minha entrega era mais importante do que a minha saúde.
Era mais importante do que a minha própria vida.
Só eu sei dos riscos que corri.
Dos acidentes que escapei.
Das ideações que não persegui.
Dos atalhos venenosos que não tomei.
Das crises que superei.
Das dissociações que expulsei.
E eu digo tudo isso pra que você –
e eu mesma –
não esqueçamos jamais que,
como diz a máxima:
Nenhum CNPJ vale um AVC.
Você não é o seu trabalho –
por mais que hoje você o ame ou o odeie.
Se você hoje tem um emprego, desempenhe-o bem o suficiente – mas não o coloque na frente de todo o resto.
A validação que chega por um cargo, um salário ou uma conquista, é uma validação artificial, uma validação com data pra expirar.
Ela pode simplesmente desaparecer num estalar de dedos se qualquer coisa de você – ou do seu contexto – mudar.
O seu valor pessoal não depende da sua produtividade: o seu valor é intrínseco, é seu direito humano universal.
Você merece amor, saúde e uma vida decente -independente das metas que bate ou perde.
Existem canalhas no mundo.
O nosso sistema sócio-econômico cultural bate palma pros canalhas, recompensando a falta de cuidado, a concentração de renda e de poder e a exploração.
Mas isso não quer dizer que não existam pessoas, culturas e perspectivas melhores.
Porque existem.
Existe um mar de gente legal por aí.
Um mar de gente que sobrevive aos canalhas –
sem tornar-se um.
Um mar de gente que se ajuda, que se cuida, que tenta fazer ligeiramente diferente, que tenta fazer o suficiente.
Sentir-se sozinho é muito comum quando se sai do script. Mas essa é só mais uma das tantas mentiras que nos contam pra nos manter em correntes.
Encontre o mar de gente que tem a ver contigo.
Acredita que dá pra ser diferente.
Eu sobrevivi pra contar –
e reescrever –
a história.
Você também vai.
Não tem sido um caminho dos mais fáceis, mas que orgulho de estar trilhando do jeitinho que estou.
E com fé de que você, aí do outro lado, também tenha orgulho do seu.









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Thais
Um pouco do meu caso com o burnout:
Eu sempre amei todos os trabalhos que já fiz. Meus longos períodos de contratação deixam isso bem claro. Afinal, são 40 anos e apenas 4 lugares em que trabalhei.
Comecei com 18 anos.
É importante mencionar que adoeci neste último emprego, mas a vida que me trouxe até aqui sempre foi insustentável. Descobri isso este ano, fazendo terapia.
Eu nunca me permiti errar, pedir ajuda, ou dizer que a carga estava pesada. Pelo contrário, sempre gostei quando ouvia: “Pode entregar para a Thaís, ela vai dar conta.” Isso, para mim, sempre foi um elogio. E, claro, atropelando tudo, principalmente os meus limites, eu dava conta.
No ano passado, meu corpo não aguentou tantas noites e finais de semana em que o coloquei para trabalhar. Isso se intensificou durante a pandemia, quando eu “sabotei” meu sistema e coloquei a máquina na velocidade máxima. Funcionou por dois anos, afinal, eu que estava no comando, não é? Minha mente ria alto quando me alertavam para parar…
Mas, no final de 2022, meus pratos, tão bem equilibrados, começaram a cair.
Tive toxoplasmose no olho direito, e passei seis meses de tratamento com um colírio que me deixava cega. Eu tinha que aplicá-lo quatro vezes por dia nos dois olhos, pois precisava prevenir o esquerdo também.
Nessa época, já estava tomando 6 mg de um remédio tarja preta para dormir, mas não conseguia dormir nem uma hora por noite.
Em janeiro de 2023, tive meu primeiro apagão. Estava sentada em frente ao computador e não me lembrava como usar um dos sistemas com os quais trabalhávamos. Logo pensei: “Credo, que lerdeza!” Levantei para pegar água e, quando voltei à cadeira, minha visão ficou turva, tive palpitações, senti meu coração bater na garganta, comecei a suar frio e fiquei anestesiada. Depois disso, ocorreram mais três episódios.
O diagnóstico foi o mesmo nas consultas com quatro psiquiatras: “Thaís, você desenvolveu uma depressão grave por conta de um burnout não tratado. É hora de parar.”
Todas foram categóricas: “Temos que te afastar. Isso é necessário neste momento.”
Para encurtar a história, eu não ouvi. Não aceitei o diagnóstico de depressão e, na minha cabeça, eu só tinha insônia.
Não estava doente, afinal, eu AMAVA MUITO o que fazia e onde trabalhava.
Contudo, ouvi da minha psiquiatra um dia: “É muito óbvio que você ama o que faz. Você se tornou parte do trabalho, ele é você.”
Parar nunca foi uma opção para mim, então fomos em busca de um remédio que me fizesse dormir. Eu mentia que estava tomando os antidepressivos, pois só queria dormir de novo. Mesmo que fosse à base de remédio, tentamos 14 tipos diferentes, mas nenhum fez efeito.
Até que, em março deste ano, minha médica me disse: “Thaís, eu não posso mais te medicar. Não posso colocar meu CRM em risco com outro medicamento. Seu corpo vem adoecendo neste último ano: seu cabelo cai, sua imunidade não aumenta, você perdeu e ganhou peso rapidamente, teve perda de produtividade, e cada vez que você volta, não temos nada a comemorar. Você está apenas lidando com as consequências e não quer tratar a causa da insônia.”
“É hora de parar, antes que seu corpo não consiga mais reagir.”
Dali em diante, foram noites e dias de agonia, terror, choro, e um sentimento de fraqueza tomou conta de mim.
Como assim EU NÃO DOU CONTA? Claro que dou. Eu sempre dei.
Grande engano. Eu estava desmoronando. Meu corpo dizia para parar, minha mente clamava por socorro e meu coração implorava para que eu continuasse.
Mas eu sabia que aquela Thaís não era a Thaís que eu conhecia.
Eu estava apenas sobrevivendo…
Até que não aguentei mais e saí do trabalho. Por opção própria, não quis o afastamento. Precisava me desconectar de tudo para me reencontrar.
Ainda tenho uma sensação de impotência, de que não fui forte o bastante…
Eu sei que faz parte da desconstrução da auto cobrança que sempre tive. Eu tinha a percepção de que estava competindo o tempo todo, até nas brincadeiras. Odiava perder e não admitia que o feito era melhor do que o perfeito.
Que ilusão…
Mas, se tudo na vida é aprendizado, cá estou. Levando os tratamentos a sério. Coloquei-me na agenda; hoje, sou prioridade.
Existe beleza no processo que eu tanto neguei passar. Mas confesso que, em alguns dias, sinto saudades de quem eu era. A insustentável.
Escrevi demais, rs. Muitas coisas a falar ainda…
Por fim, se você está passando por algo parecido, procure ajuda. Um psicólogo vai te orientar até onde é saudável. E, se precisar de intervenção psiquiátrica, os médicos estão a nosso favor.
E é um dia após o outro, com passos levemente calculados.
Não é fácil, mas é libertador!