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2021: o ano em que aprendemos a dizer sim para a nossa saúde mental

Estamos começando a aprender a dizer sim para a nossa saúde mental - e mais do que isso, estamos aprendendo a compartilhar este sim com outras pessoas, amplificando a mensagem. Certamente ainda há muito, muito a se fazer. Mas para poder seguir adiante, a gente precisa se permitir, pelo menos de vez em quando, celebrar.

Neste artigo

4 minutos de leitura

Eu não acredito em mudanças bruscas, ou em transformações instantâneas.
Estou do lado do cultivo, da paciência e foi tempo ao tempo.

Por outro lado, entendo a importância de celebrarmos marcos, de enraizarmos símbolos e de ritualizarmos o que nos cerca.

Já faz sete anos que eu comecei a apresentar os primeiros sintomas do meu primeiro de dois episódios da síndrome de Burnout. Eu já fazia terapia, ainda que de forma errante, desde os 14 anos. Mesmo assim, eu quase nada entendia sobre ansiedade, depressão e compulsão alimentar, os primeiros dos males que me assolaram na vida adulta. Lá, em 2014, eu sequer sabia o que era “saúde mental”.

Eu enxergava meu cérebro como um órgão que “funcionava” muito bem pra algumas coisas (essencialmente, trabalho) e muito mal pra outras (essencialmente, relacionamentos e autoestima). O papel da terapia e dos medicamentos, na minha concepção à época, era impedir o que “funcionava mal” de atrapalhar o que “funcionava bem”. 

Entre o início dos meus sintomas e o meu primeiro afastamento, um ano depois, os sintomas psicológicos expandiram para o que entendemos como “físico”: sucessivas febres, sucessivas infecções e sucessivas dores. Em especial, uma no peito, que me assustava nos meus últimos meses trabalhando loucamente.

Quando decidi fazer uma pausa, em outubro de 2015, eu escrevi o seguinte em um e-mail ao CEO da empresa:

“Eu tentei levar isso dessa forma por mais de 1 ano, e o resultado é que a cada 3 meses o meu corpo me derruba pedindo a minha atenção. Eu não preciso de uma nova proposta, de um novo destino ou um novo caminho. Eu só preciso parar.”

Minhas emoções estavam desencontradas.
Meu senso propósito estava absurdamente distante.
Minha autoestima desnorteada.
Eu já havia tido crises de ansiedade, compulsão e depressão.

Mas o que me fez parar foi o medo de cometer um erro grave (e que prejudicasse a empresa) e o medo de algo irreversível na minha saúde física.

Dois anos depois, quando me encontrei no auge do segundo episódio de burnout, o que me fez parar, também, foi uma dor no peito, que me fez desconfiar de um problema no coração, seguido de uma crise de pânico que me deixou sem ar.

A história se repetia: eu só parei quando o corpo ameaçou desligar, e não quando a mente sinalizou que aquilo tudo era demais.

Por isso, quando vejo pessoas como a ginasta Simone Biles e o comediante Esse Menino parando e dizendo publicamente que o fazem “por sua saúde mental”, entendo que, por triste e doído que isso seja pra eles, é também um certo motivo de celebração para todos nós.

Em meio a tantos de nós que sofrem em silêncio, ouvir vozes como as deles nos lembra que o sofrimento emocional é sempre digno de respeito e de cuidado.

Ouvir, por exemplo, o Pastor Henrique Vieira relatando que teve um ano de imensa angústia, o cantor Lucas Lucco relatar em entrevista a um podcast de grande audiência que sofreu um burnout, e a atriz Claire Foy, da série the Crown, relatar que chegou ao esgotamento, faz com que todos nós, que estamos aqui, e ainda sofremos tanto descrédito, consigamos acreditar um pouco mais em nós mesmos.

O estigma associado às questões de saúde mental ainda é muito perigoso.

No episódio “Ninguém me entende”: 10 coisas que gostaríamos que todo mundo soubesse sobre saúde mental e Burnout, eu falo dos diferentes tipos de estigma que encontramos e seus malefícios. 

Temos o estigma público (que nos causa vergonha de falar sobre o que temos), o autoestigma (que nos leva a achar que somos incapazes ou inferiores) e o estigma institucional (que nos deixa à margem da sociedade, negando oportunidades de emprego e possibilidades adaptadas de socialização). Toda essa imagem negativa leva, comprovadamente, a aumento nos sintomas psiquiátricos, esperança reduzida, dificuldades no trabalho, isolamento social, autoestima reduzida, menor chance  de buscarmos ou de darmos continuidade em nossos tratamentos.

Eu e você passamos uma boa parte da nossa existência aqui sem sequer saber o que era a saúde da mente. Não fomos ensinados sobre emoções, vulnerabilidade, conflitos e relações interpessoais. 

Certamente ainda há muito, muito a se fazer.

Ainda existe muita, muita gente que fala que o sofrimento psíquico é “mi-mi-mi”, que apontar os danos de anos e anos de bullying nas escolas é ser parte de uma “geração cristal”.
Ainda temos uma imensidão de ambientes de trabalho que privilegiam posturas narcísicas e estruturas que beneficiam os que dispõe de, no mínimo, um certo nível de psicopatia.
Ainda somos inundados de soluções mágicas, de best-sellers das cinco da manhã e de justificativas rasas.

Mas para poder seguir adiante, a gente precisa se permitir, pelo menos de vez em quando, celebrar.

E de quem tem acompanhado o discurso social sobre a saúde da mente nos últimos quatro anos, eu não posso deixar de celebrar o avanço desses últimos tempos.

Estamos começando a aprender a dizer sim para a nossa saúde mental – e mais do que isso, estamos aprendendo a compartilhar este sim com outras pessoas, amplificando a mensagem.

Em 2022, ouviremos falar ainda mais sobre a saúde da mente e sobre burnout, especialmente com a formalização da Organização Mundial da Saúde.

O meu desejo e a minha intenção são a de que consigamos manter a ética nesses diálogos

Que lembremos sempre que a saúde da mente é uma questão coletiva.
E que a saúde e o descanso são direitos fundamentais universais: valem para todos, todas e todos.

Para o quê você dirá sim em 2022?

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Carol Milters

Escritora, Investigadora & Facilitadora
Saúde Mental no Trabalho, Síndrome de Burnout, Workaholismo & Escrita Reflexiva


Autora dos livros, "Minhas Páginas Matinais: Crônicas da Síndrome de Burnout" e Um Passo Por Dia: Meditações para (re)começar, sempre que preciso idealizadora da Semana Mundial de Conscientização da Burnout e do grupo de apoio online Burnoutados Anônimos.

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Este post tem 2 comentários

  1. Dani Santis

    Eu direi sim pra mim e pra vc sempre, Carol ❤️

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