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Dia Mundial da Saúde Mental: 10 coisas que aprendi em 20 anos entre ansiedade, depressão e Burnout

Neste artigo

6 minutos de leitura

Hoje, dia 10/10/2021, é o Dia Mundial da Saúde Mental, e eu quero compartilhar algumas coisas que eu aprendi vivendo c/ ansiedade generalizada e já tendo tido compulsão alimentar, depressão e pânico:

1. Saúde mental é saúde. O sofrimento psíquico nunca deve ser deslegitimado. 

Não é frescura, não é fraqueza. 

E o preconceito é nocivo: ele reduz as chances de buscarmos e continuarmos um tratamento, nos priva de oportunidades e arrasa o nosso senso de autoeficácia. 

Já pensou se você quebrasse a perna e sua tia dissesse que foi falta de Deus?
Ou te dissesse pra continuar caminhando com a perna quebrada que ela ia sarar?

Não ouça essa pessoa. 

E não seja essa pessoa.

2. Saúde mental é responsabilidade de todos: da sua família, da sua comunidade, da sua empresa, do seu governo. 

E aqui, eu não falo só no que está convencionalmente ligado à doença mental, como tratamentos psicológicos e psiquiátricos, afastamentos e medicação. Essa parte também é importante, essencial, mas a saúde mental vai muito além do que os profissionais de saúde podem alcançar.

Falo em contextos de respeito e igualdade de oportunidades. Falo de justiça social, de acesso à educação e ao emprego. Falo de zero tolerância a assédios e abusos de qualquer natureza.

3. O “normal” não existe: quando a gente para de tentar se encaixar, a gente encontra o nosso lugar.

Muito do nosso sofrimento psíquico vem de uma busca obssessiva por uma normalidade: nos comparamos com outras pessoas e queremos ser como elas. Queremos ter o corpo de uma, a conta bancária de outra, a disciplina de outra… e aí formamos um mosaico completamente impossível de chegar. Além disso, existe uma narrativa social que busca que nos conformemos, que busca que nos igualemos. 

Não somos iguais, e o que nos difere não é algo do qual devemos ter vergonha, mas orgulho.  A tua sensibilidade pode te deixar desconfortável, mas ela ter permite acessar sensações que muita gente jamais experimentará. 

Quem prega o “normal”, quem prega um jeito só de seguir a vida, está te vendendo uma ilusão. Não caia nisso.

4. Você vai sair dessa melhor do que entrou.

Eu sei o quanto é difícil estar no fundo do poço. Eu estive lá. Várias vezes. Eu já perdi todas as esperanças em mim e na vida.

Mas presta atenção nisso: esse fundo do poço saída.
Ela provavelmente não será nada como você imaginava ou esperava, mas ela existe. 

Dá muito trabalho, sim. Muitas vezes, a gente precisa lutar pelo nosso próprio tratamento, lutar pelo direito de cuidar da nossa saúde mental. E isso cansa. Mas, aos poucos, você vai aprendendo a enxergar os seus progressos, vai encontrando sentido no que não tem sentido, e vai conseguindo se reerguer. Mas dessa vez, você não é o mesmo. Você estará mais consciente de si mesmo, mais maduro. Você enxergará a si e ao mundo de um jeito diferente e, dia após dia, você vai ver o quanto aprendeu com isso tudo.

5. Temos um cérebro analógico, vivendo em um mundo digital

A Izabella Camargo falou disso no seu painel da 1ª Semana Internacional de Conscientização da Burnout ano passado, e é verdade: os equipamentos que fazem parte das nossas vidas hoje são atualizados a cada instante, enquanto o nosso equipamento neurológico teve a última atualização milhares de anos atrás.

Precisamos nos dar conta de que o ritmo frenético das tecnologias simula uma realidade que não é natural: a gratificação instantânea que temos ao ganhar um like é desconectada do tempo da natureza. A nossa hiperfixação nesses aplicativos está claramente prejudicando a nossa saúde mental (e a nossa democracia), e é uma questão de tempo até que mudanças profundas sejam feitas na forma como nos relacionamos com a tecnologia (e as rede sociais em especial).

6. O mundo está apenas engatinhando em conhecimento e conscientização de saúde mental. 

Já se sabe muito mais hoje do que se sabia há algumas décadas atrás. A definição clínica da síndrome de Burnout foi publicada nos final dos anos 70 – boa parte das pessoas que passa pela síndrome é mais velha do que a sua própria compreensão.

Até poucas gerações atrás, pessoas que apresentavam sintomas de sofrimento psíquico eram submetidas a intervenções extremamente invasivas e dolorosas, como lobotomia e internação. A camisa de força ainda está na memória de muitos de nós – e por isso tanta gente tem medo de falar de saúde mental, tem medo de buscar uma terapia.

O preconceito e o estigma ainda causarão muitos, muitos danos. Mas à medida em que vamos aprendendo e falando sobre, eles vão reduzindo.

7. Talvez você precise tomar remédio. Mas nunca se automedique.

Existem médicos que receitam ansiolítico para adolescente (eu recebi minha primeira prescrição aos 14 anos), existem profissionais que se recusam a medicalizar, e existe um debate importante sobre a despatologização da saúde mental.

No meio disso tudo, ficamos nós, pacientes, em sofrimento e sem saber pra onde correr. É difícil, mesmo. Eu já fui absurdamente contra medicação, já fui religiosamente a favor, e hoje me coloco em uma posição crítica no meio.

Pela minha experiência e estudo informal sobre o tema, entendo que, em muitos casos, é importante intervir com medicação. A analogia que eu faço é com uma cirurgia: você toparia ser operado sem anestesia? Será que você conseguiria suportar a dor que o procedimento provoca?

Dito isso, nunca se automedique. Eu já vi pessoas tomando remédios de tarja preta sem prescrição e isso é altamente perigoso. Não faça isso.

8. A saúde mental não está só na nossa cabeça.

Essa ainda é difícil pra mim, que sou uma sedentária de marca maior. Mas é a realidade comprovada: o stress e o sofrimento emocional não ficam só na nossa cabeça. O cérebro é a sede do nosso sistema nervoso, mas as filiais se distribuem por todo nosso corpo. Por exemplo, com a prática de mindfulness eu aprendi que eu sinto minha ansiedade majoritariamente como um aperto no peito. 

Engajar o corpo é indispensável para cultivar a saúde mental: e isso inclui movimento e relaxamento. Dependendo do seu perfil, momento de vida e de saúde, exercícios de maior intensidade podem ser ótimos para descarregar a tensão. Ou, se você passou por um esgotamento, talvez seja melhor você começar de leve e aí ir intensificando.

9. Saúde mental é maratona, e não 100m rasos: é um cultivo diário, e uma renegociação diária.

Tem dia que tudo flui, tem dia que tá tudo uma merda. Aos pouquinhos, vamos entendendo que cada dia é uma oportunidade da gente faz uma coisinha de um jeito diferente, e que se hoje não deu, amanhã a gente tenta de novo. 

Por muitos anos, eu esperei pelo dia em que eu acordaria e minha ansiedade teria desaparecido completamente. Eu idealizei, sem me dar muito conta, uma Carol que dava conta de tudo, que estava sempre sorridente, que nunca cansava, que se alimentava bem e meditava diariamente, que tinha tempo pra trabalhar e pra cultivar suas relações, que trabalhava de forma extremamente eficaz e aos fins de semana curtia passeios instagramáveis com o namorado.

Aos poucos, eu fui me dando conta de que essa Carol não existe. Fui fazendo as pazes com a Carol que existe no aqui e agora. Fui aceitando que, se um dia eu me sinto exausta, tudo bem descansar e não dar conta. E fui confiando na minha própria capacidade de me cuidar, ainda imperfeitamente.

Cuidar da saúde mental é uma tarefa que não tem fim.
E o quanto antes você se der conta disso e fizer funcionar pra você, do jeito que for, menos você sofre desnecessariamente.

10. Nunca estamos sozinhos na nossa dor. Estamos juntes.

Muitas vezes, parece que é só a gente que não dá conta, que só a gente sofre com as discrepâncias e as barbaridades do mundo lá fora. Parece que só a gente não tem a tal “resiliência” pra encarar a vida como ela é. 

Não caia nessa armadilha. 

Eu caí nela durante boa parte da minha vida, e te digo: isso não é verdade. 

À medida que eu comecei a contar a minha história com a síndrome de Burnout, fui percebendo o quanto isso é mentira. Os números também não mentem: em todo o mundo, quase 1 bilhão de pessoas estão vivenciando algum transtorno de saúde mental.

Entre brasileiros, estamos ainda mais lascados: o Brasil é o país mais ansioso do mundo, e o segundo com maior índice de síndrome de Burnout segundo a International Stress Management Association brasileira.

Infelizmente, o preconceito, o estigma e a desinformação nos levam a achar que é só conosco. Somos isolados do mundo. E aí, no “mundo real” ficam as pessoas que ainda conseguem fazer de conta que dão conta.

Assim como não estamos sozinhos, não adoecemos sozinhos.
Já sabemos que existe uma relação entre abuso e adoecimento psíquico.

E eu quero finalizar esse artigo te dizendo que a gente também não sai dessa sozinhos.
A gente precisa necessariamente buscar ajuda profissional.
A gente precisa necessariamente de compreensão de quem nos cerca, na família e no trabalho.
A gente precisa necessariamente poder conversar com quem fala a nossa língua e nos faz sentir acolhidos.

E, quem sabe, à medida em que você se sente melhor, você também pode começar a contribuir pra que outras pessoas não sofram tanto.
E é por isso que eu faço o que eu faço.

Eu acredito em uma saúde mental feita por todos, para todos.

Este post foi feito para endossar a campanha do Dia Mundial da Saúde Mental, da Organização das Nações Unidas e da Organização Mundial da Saúde.

Aqui, você conhece o plano de Plano de Ação da Organização Mundial da Saúde para Saude Mental 2013-2030.

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Carol Milters

Escritora, Investigadora & Facilitadora
Saúde Mental no Trabalho, Síndrome de Burnout, Workaholismo & Escrita Reflexiva


Autora dos livros, "Minhas Páginas Matinais: Crônicas da Síndrome de Burnout" e Um Passo Por Dia: Meditações para (re)começar, sempre que preciso idealizadora da Semana Mundial de Conscientização da Burnout e do grupo de apoio online Burnoutados Anônimos.

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Este post tem 3 comentários

  1. Luciana

    Carol obrigada por compartilhar as suas reflexões. Gostaria que esse tema não fosse um tabu na década de 90 e início dos anos 2000, quando tantas coisas aconteciam em nosso universo psicológico e tudo era visto como “birra” ou “rebeldia adolescente”.
    Quem dera eu pudesse ter o conhecimento que tenho hoje sobre saúde mental quando estava com 18 anos. Talvez a vida tivesse sido um pouco mais fácil de entender.

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